Homenagens


Silêncio Intrigante.
(Ednaldo B. de Sá)
  
  De sua revolução à perversa prisão. De nossa Mãe Gentil à hostil nação estrangeira. Daí, mandava-me cartas escondidamente, documentos que denunciavam suas lágrimas, seu anseio e que me obrigavam a desistir do conservadorismo meu por inteiro.
   A cada revelação de seus prantos por aí no exílio, a angústia crescia, causando-me um entorpecimento de conflitos no espírito. A cada noite mal devaneada por mim, desprezava cada vez mais essa cruel sociedade. Esta, de que Deus tenha a Santa Piedade!
   Seus ideais buscavam liberdade, porém eu os limitava. Infelizmente, esses seus princípios se perdiam em meus pensamentos devido à escassez de sagacidade que eu ainda não tinha diferentemente de ti. Percebia que sua ideologia intrigava com a minha diariamente. Era uma batalha entre o “Típico”, por ti chamado, e o “Radical”.
   O tempo divino cansou de esperar por uma mudança de meu comportamento. Tinha receio do que o Estado poderia me fomentar. Gabriela adoeceu, enfraqueceu, emudeceu e finalmente morreu. O fogo flamejante de sua alma se apagava. A essência do meu jardim desvanecia. Sua última carta a mim endereçada trazia um trecho da Canção do Exílio*: “Não permita Deus que eu morra, sem que volte para lá; sem que desfrute os primores que não encontro por cá”. Naquele instante, aquela suplica dela pela vida me desnorteou, perturbou, dominou, mas o silêncio de meu ser era maior. Calei-me envergonhadamente.
   Após dez anos da morte de Gabriela, ainda me encontro por aqui. Perdidamente, ainda vivo nesse mundo mordaz de vermes. Continuo a procrastinar minha rebeldia com o homem, contudo alguns juvenis ensaiam uma breve revolução do tamanho da que foi a de Gabriela. As cartas revolucionárias de minha amiga exilada ainda se encontram em meu quarto. Elas ainda não foram desveladas à sociedade, pois não me quero ver exilado como ela. Sim, almejo para mim mesmo metade da bravura dela, entretanto “minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá; as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá” e é por isso que não me quero ver fora de cá. Rogo perdão a ti, Gabriela.

*Canção do Exílio é um poema de um dos maiores romancistas nacionais que tivemos, Gonçalves Dias.
(Essa prosa foi dedicada à uma grande pessoa e que a estimo muito, Gabriela Coelho).

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Por que Raíssa?
(Ednaldo B. de Sá).


De ti, pensamentos.
De mim, sofrimentos.
Sua alma vive de encantamentos.
Raissa, por que não encurta nosso distanciamento?

A moça que amo pelo senhor.
Que me provoca prazer do jeito que for.
De sua beleza sinto o esplendor.
Raissa, por que não me conhece pelo interior?

Cigana dos cabelos fascinantes.
Diante de ti, sou um ser mendicante.
Dos olhos, a sinestesia viva em todo instante.
Raissa, por que sua voz é tão rutilante?

Chego ao Rio, deveras assustado.
Foi o tal Eduardo
Que me deixou atordoado.
Raissa, por que não ficou ao meu lado?

A vida passou.
Sua ardência em mim suavizou
E comigo se importou.
Raissa, por que como gaivota voou?

Encontro-me ainda aqui.
Porém, agora sem ti.
Para o paraíso foi sem mim.
Raissa, por que me ensinou a não crer no fim?
( Esse singelo texto foi para ti, Raíssa, que me faz crer na Vida todas as vezes que converso contigo).
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Afago mortificante do Tempo.
(Ednaldo B. de Sá).

  Seu rosto transcende a simples beleza carnal. Seus olhos corroem minha alma, meu espírito de luta pela vida, cuja maior busca é compreender-te com perfeição, aproximando-se de sua vivaz canção. De seu interior nasce o esplendor. A antiga dor ainda provoca-me o mesmo ardor. Tem o dom de dilacerar minha vida e pôr nela um novo sentido, uma única sintonia, uma estranha fantasia que me faz amar essa minha fúnebre bibliografia.
    Moça gaúcha de mente madura, mas, por vezes, ainda imatura e dura consigo mesma. Essa distância que nos separa me faz usufruir de instantes de alegria, idolatria e até de tirania por causa da medonha nostalgia precoce que me recobre quando me despeço de ti no telefone.
   Quero sentir o teu calor, fervor, rumor, furor, ardor e o doce licor de seu suor. Toda essa devoção tem uma única direção, enovelar-me com uma pura sensação que provaremos quando nos tocarmos. O sul é tão distante e estonteante que ele torna-me escravo de meus instantes, contados bem antes de mexer os dedos. Conto nos pensamentos os minutos de nosso próximo momento. Desse sofrimento flamejante, o futuro realmente é um Ser mendicante.
   Desejo aspirar apenas o embriagante perfume de sua pele. De verme e lagarto tornou-me uma borboleta que voa ao seu encontro. Tempo obscuro que me deixou sofrer de forma estagnada e rastejante. Tempo cruel que me permitiu viver ao teu lado apenas por um dia como um inseto benevolente para ti. Contudo, horas importantes que me felicitaram imensamente ao provar do teu exorbitante abraço, moça do Sul.
(Dedicado a minha companheira amigável, Paloma, dona de um aroma delirante). 
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João e o Fado no sertão.
(Ednaldo B. de Sá)

De escrita objetiva e dessacralizadora tua linguagem vence o trivial. O genial é ser racional. Inspiração para os concretistas. Um vasto em poesia e contemporâneo com maestria. João é assim. É humano sim. João é mais um Severino como outros tantos por aí. Ele encanta. Desencanta também. Considera-nos objeto de nosso destino. Este, fiel cretino, Severino me tornou. Fez-me acreditar no princípio do tal Determinismo. Embruteceu-nos em vermes condicionados a lutar contra a infeliz Seca de nosso sertão que só de pensar me arde a alma. João foi um nordestino comum e mostrou-nos que o simples é surrealizar para sermos um complexo objeto. O simples transforma-se em complexidade sociológica. A utopia se perde na persistência de seu eu-lírico em viver com menos sofrimentos. Maltrata e mata o seu personagem principal de sua poesia quando o infeliz se apaixona. João tornou seres objetos. Objetos em sonhos. O homem encontra-se preso num sonho de viver? Como poeta também nos apresentou a Vida desfiando nossos fios vagarosamente como se fossem as três Parcas, filhas de Júpiter, que limitam o nosso viver, a nossa luta. Contudo, ainda assim, não há nada melhor que uma explosão de vida Severina que João apreciou tão bem como outros desta terra nordestina. Terra de selvagem caatinga.
(Dedicado ao grande escritor João Cabral de Melo Neto (1920-99))
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Do saboroso beijo, sucumbe a lúgubre flor.
(Ednaldo B. de Sá)

Vejo as gaivotas indo embora.
O Crepúsculo já é anunciado.
Sentado no morro, encubro-me de lágrimas.
Uma semente germina de tamanha obscuridade.

Lembro-me de tal fato, de tal beijo que me atrevi.
Que senti de sua boca doce e amarga.
Recordo-me do sangue derramado de meus lábios.
Amarga dor, mas doce conforto.

Agora, no exílio, observo tudo.
Todos me observam
Malditos abutres.
E a semente continua a ascender.

Passaram-se os tempos, divina Carla.
E as aves traíram-me.
Onde estão as gaivotas? Onde?
E a semente, ah, já é flor.

Sou uma recatada alma,
Minha amada encantadora.
Meus embaraçados ossos
Entristecem a flor.

Flor que eu vi.
Flor que nasceu de mim.
Flor que viveu de ti.
Flor que chegou ao fim.

Sucumbe minha alma.
A temeridade devora-me.
Como uma aurora em certas horas.
Busco nos ventos teu brilho, airosa Carla.
(Dedicado a minha excelente companheira literária, Áquila).