Prosa


Fim de Jogo.
(Ednaldo B. de Sá)

 Em um jogo, o time adversário faz um à zero.
_ Papai, mamãe está te chamando.
_Filha, irei daqui a pouco.
O time adversário faz dois à zero.
_ Papai, mamãe está apressada. Vamos!
_ Já irei menina! Espere mais um tempo.
O time adversário faz três à zero.
_ Pai, você irá ou não falar com ela?
_ O que aquela infeliz quer comigo? Ela sabe que está no horário do meu futebol.
_Mamãe está pedindo ao senhor que corte a carne do jantar.
_Traga a carne e a faca que cortarei aqui mesmo na sala. Meu jogo é sagrado e não perco por nada.
O time adversário faz quatro à zero.
_ Droga! Que dia infeliz!
O time adversário faz cinco à zero e se corta com a faca.
Seis à zero agora.
Aproximando-se do pai, chorando diz:
_ Papai, o Lucas não quer me devolver o brinquedo.
Pranto, grito e sangue.
A mãe vem chegando e clama pela vida da filha:
_ Meu amor! Meu anjo! O que houve aqui?
O pai chora e se lamenta. O irmão fecha os olhos e pranteia desesperadamente.
Esconde-se a marca no pescoço sofrida pela menina.
O pai é levado à delegacia.
O irmão foge de casa para mendigar nas ruas escuras daquela cidade.
A mãe, temerária no momento, se suicida na piscina de casa.
E o time rival fez sete à zero. Fim de jogo.

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Crônica do atual descobrimento.
(Ednaldo B. de Sá). 

  Espanhóis e portugueses. Todos daquela tal Penísula Ibérica. Acordos, tratados e ganância. Por que não pluralizamos o último adjetivo também? Terra da América rica, mas submissa. Encontraram-nos num acidente, contudo esqueceram que o mesmo foi um genuíno incidente. Caravelas aproximam-se do verde paraíso, tornando-nos um modesto pretexto do comercialismo e embrutecidos pelo voraz mercantilismo.
   Um povo, uma alma, uma história tudo é devastado. Navegantes, clérigos e indígenas todos se encontram no local mais temerário que existe, o prostíbulo. Um local no meio de nossa mata virgem, fazendo com que a pureza da Terra dos Papagaios fosse comprometida.
   O ouro é gente. Gentis, cargas da gente. Devastação e escravidão por toda a imensidão deste lugar que amarga uma geográfica solidão. Tranqüilidade e obscuridade retratam a verdade do continente. Um real antagonismo. Divisão e expulsão afligem, respectivamente, o espaço e o verdadeiro povo de nossas terras. Pobres negros que muitos se perderam pelo insaciável mar do Atlântico. Que a Morte vos acompanhe!
   Dessa subordinação veio nossa Confederação, originando a mais pedinte Nação. Nem nos chamam mais de animais, pois nós somos agora Brasil e não Papagaios. Entretanto, a humilhação e a ardente verdade do passado glorioso ainda nos angustiam. Temos que ter o orgulho em dizer que fomos procriados por prostitutas europeias, indígenas, navegantes e até padres que o fado me tornou um. Todavia, este mesmo companheiro de minha vida não limitou os meus desejos por uma bela mestiça, fazendo-me reviver o nosso incrível passado histórico tampouco heróico.
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Crônica de um infeliz patriota.  
(Ednaldo B. de Sá). 

   Estava acontecendo mais um movimento estudantil contra a greve dos professores de uma faculdade por causa do descaso dos poderes públicos que não repassou a quantia suficiente de verbas para manter os salários dos educadores atualizados. Mais uma revolta, mais uma derrota, mais uma alienação?
   O líder do movimento era um estudante de Direito, cuja maior inspiração era pelos grandes socialistas Che Guevara e Karl Marx. Ele chefiava o movimento há três anos. Sim, há três anos não havia aulas na universidade daquela cidade devido ao velho poder consumista de nossos políticos, devido à idosa politicagem que faz os nossos homens públicos.
   O educando seguia com o seu movimento espalhando ideais, pensamentos, princípios, fundamentos e todos os outros sinônimos dessas mendicantes palavras que se perdiam pelas ruas. A velha repressão continuava perseguindo aqueles medíocres acadêmicos.
Policiais, soldados, outros militares, estudantes, outros estudantes todos eles acossavam aqueles singelos e poucos universitários exaltados. Ninguém desejava perder os antigos recursos que o Estado lhe dava. Entretanto, aquela contínua rebelião juvenil crescia numericamente com o passar dos dias, dos meses, dos anos, dos tempos.
   O estudante de Direito já tinha se formado, concluído o mestrado e estava fazendo já o seu doutorado. Ele foi um dos presos daquela revolta e foi exilado. O exílio certamente proporcionaria àquele acadêmico um maior sentimento de revolta daqueles militares que estorvavam os revoltosos de poderem usufruir daquilo que é necessário para eles, para nós, para a sociedade que é demente e extremamente medíocre, visto que até ela se opôs aos perdidos dessa cidade, desse lugar que de tão incomum acabou se tornando trivial. Sim, trivial. Agora não era mais só aquela cidade que passava por aquele lúgubre momento e sim todo país.
   Foram um, cinco, dez, quinze, vinte anos de conflitos com aqueles abutres soldados daquele país. Jamais tinha visto um lugar tão invulgar quanto àquele.
   Finalmente, o movimento chegou ao seu desfecho. Apenas doze, velhos e devaneadores, acadêmicos do passado continuavam a buscar por suas aulas antigas, antigos prazeres intelectuais de suas mocidades e antigas bordoadas constantes. O comandante dos militares era o mesmo educando de Direito anteriormente. Ele conseguiu sua libertação daquele exílio infernal. Todavia, os seus sonhos tinham morrido e agora lutava para manter o velho sistema político, econômico e ideológico dessa nação. Por que fizera aquilo?
   Os doze velhos viraram sete. O governo já trocara a forma de poder, mas continuava a maldita opressão aos exaltados e a mesma forma de governar. Somente um antigo dos velhos revoltados sobrevivia e tinha um sentimento de vingança em sua alma tão imensa e possante que ambicionava matar o traidor dos rebeldes. Ele não tinha nada a ganhar, contudo também não tinha nada a perder.
   A vingança do pobre velho não ocorreu. Tinha sido fuzilado pelos generais por ter ousado matar o ex-revoltado que se tornara membro fiel do Estado. Este ficou terrificado com o acontecido de tal forma que se tornou um temerário de fato. Dias depois, cometeu um suicídio em seu apartamento. Levaram-no ao cemitério. Um senhor avistara um papel chamativo na casa do falecido. Leu uma frase contida na folha. Era um trecho apenas e algumas poucas e vagas palavras que traziam isso: “Infelizmente, não consegui trazer o meu sonho à realidade. Vocês não sabem o quanto eu fui violentado para me manter calado. Substituí todo o nosso escopo por uma liberdade que me trouxe a morte. Porém, esta me devolveu a Liberdade novamente”.

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Lírica Oculta.
(Ednaldo B. de Sá).

Destaca-se o ambíguo aroma de minha amada em meus devaneios que, como uma formosa rosa, me fazia navegar pelos riscos de uma paixão improvável. Vejo-te em todos os lugares. Sinto tua alma angelical afligir-me e provocar-me um genuíno frenesi carnal. Ah, estrelas cintilantes, lua reconfortante. Tudo se volta para a mais bela de Morfeu. Não quero mais conhecer minha verdadeira realidade, mas sim, o profundo sorriso de te sentir em meus sonhos, saboreando de uma delirante sinestesia que teu corpo provoca em meu ser. Infelizmente, a vida é mortal, impiedosa e traiçoeira. O sol reacende-se e consigo, através dos raios luminosos que dilaceram minha alma, vem a mais profunda dor. O seu enlace com outro é iminente. Animalizo-me, desumanizo-me e desfruto de minha condição de verme. Verme em vida, vida de verme. Por ti, às noites, vivi com a mais pura obscuridade. Por ti, nos sonhos, fantasiei a aproximação de teu corpo ao meu. Por ti, falecerei, vivendo a mais pura nostalgia que tivemos, pois me dera a Morte, mas concedeu-me, acima de tudo, a Vida e o sentido de minha existência.