sábado, 22 de janeiro de 2011

A essência de Afrodite.

De nossa adolescência esbraseante, teu coração tornou-me um tanto dissemelhante.
Uma verídica tocha fogosa surgiu em mim e decaiu em nossos sentimentos, tornando-me servo de Afrodite, escravo do teu ardor amoroso dilacerante.
Nossos corpos delineavam um violão nas noites de verão, intensificando o calor de nossa excessiva paixão. Imaginávamos uma recente canção para nossa dança erótica naquele escondido compartimento de minha casa. Uma delícia de perdição carnal.
Éramos os vermes mais jubilosos que existiam por ali. Via teus olhos azuis luzirem para os meus. Sentia tua pele macia acometer-me uma insana sinestesia, já que não com as mãos a sentia, mas sim com os lábios carnosos e famintos por tua açucarada pele.   
Vagarosamente, envelhecíamos. Nosso enlace não continuava com a mesma quentura de tempos anteriores, entretanto ainda nos saboreávamos com a mesma canção daquela dança que fizemos quando nossos sangues eram mais flamejantes e, talvez, bem mais delirantes.
Percebia, diariamente, o azul de teus olhos sendo trocado pelo cinza tristonho de tua futura cegueira. Tua pele enrijecia-se com uma velocidade terrificante. O teu sorriso não mostrava mais aqueles dentes cintilantes dos tempos em que éramos facilmente embriagados pelo amor. Parecia que Afrodite não nos queria mais como escravos dela. Não tínhamos o desejo antigo afrodisíaco de nos entrelaçar. Os pescoços dos cisnes apaixonados haviam sido apartados pela tua inclemente moléstia. Agora, estava gélida, onde, mesmo assim, continuava a me aquecer a alma. Tua magreza horripilante e os olhos esbranquiçados não arruinaram minha paixão por ti, mas a morte, esta impiedosa com o ser humano, sim.
De todas as mulheres que provei até o fim, nenhuma venceu o amor que tenho por ti. Talvez, seja esse o motivo de não me verem partir daqui, pois em cada moça que concretizo este tal Amor, Afrodite ainda se lembra de mim em seus pensamentos, fazendo com que, na verdade, eu delicie minha amada juvenil. E agora? Como irei partir? Se ainda provo do fervor metafísico de teu corpo. 

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Fim de Jogo.

 Em um jogo, o time adversário faz um à zero.
_ Papai, mamãe está te chamando.
_Filha, irei daqui a pouco.
O time adversário faz dois à zero.
_ Papai, mamãe está apressada. Vamos!
_ Já irei menina! Espere mais um tempo.
O time adversário faz três à zero.
_ Pai, você irá ou não falar com ela?
_ O que aquela infeliz quer comigo? Ela sabe que está no horário do meu futebol.
_Mamãe está pedindo ao senhor que corte a carne do jantar.
_Traga a carne e a faca que cortarei aqui mesmo na sala. Meu jogo é sagrado e não perco por nada.
O time adversário faz quatro à zero.
_ Droga! Que dia infeliz!
O time adversário faz cinco à zero e se corta com a faca.
Seis à zero agora.
Aproximando-se do pai, chorando diz:
_ Papai, o Lucas não quer me devolver o brinquedo.
Pranto, grito e sangue.
A mãe vem chegando e clama pela vida da filha:
_ Meu amor! Meu anjo! O que houve aqui?
O pai chora e se lamenta. O irmão fecha os olhos e pranteia desesperadamente.
Esconde-se a marca no pescoço sofrida pela menina.
O pai é levado à delegacia.
O irmão foge de casa para mendigar nas ruas escuras daquela cidade.
A mãe, temerária no momento, se suicida na piscina de casa.
E o time rival fez sete à zero. Fim de jogo.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Silêncio intrigante.

   De sua revolução à perversa prisão. De nossa Mãe Gentil à hostil nação estrangeira. Daí, mandava-me cartas escondidamente, documentos que denunciavam suas lágrimas, seu anseio e que me obrigavam a desistir do conservadorismo meu por inteiro.
   A cada revelação de seus prantos por aí no exílio, a angústia crescia, causando-me um entorpecimento de conflitos no espírito. A cada noite mal devaneada por mim, desprezava cada vez mais essa cruel sociedade. Esta, de que Deus tenha a Santa Piedade!
   Seus ideais buscavam liberdade, porém eu os limitava. Infelizmente, esses seus princípios se perdiam em meus pensamentos devido à escassez de sagacidade que eu ainda não tinha diferentemente de ti. Percebia que sua ideologia intrigava com a minha diariamente. Era uma real batalha entre o “Típico”, por ti chamado, e o “Radical”.
   O tempo divino cansou de esperar por uma mudança de meu comportamento. Tinha receio do que o Estado poderia me fomentar. Gabriela adoeceu, enfraqueceu, emudeceu e finalmente morreu. O fogo flamejante de sua alma se apagava. A essência do meu jardim desvanecia. Sua última carta a mim endereçada trazia um trecho da Canção do Exílio*: “Não permita Deus que eu morra, sem que volte para lá; sem que desfrute os primores que não encontro por cá”. Naquele instante, aquela sua suplica dela pela vida me desnorteou, perturbou, dominou, mas o silêncio de meu ser era maior. Calei-me envergonhadamente.
   Após dez anos da morte de Gabriela, ainda me encontro por aqui. Perdidamente, ainda vivo nesse mundo mordaz de vermes. Continuo a procrastinar minha rebeldia com o homem vinda de ti. Alguns juvenis ensaiam uma breve revolução do tamanho da que foi a de Gabriela. As cartas revolucionárias de minha amiga exilada ainda se encontram em meu quarto. Elas ainda não foram desveladas à sociedade, pois não me quero ver exilado como ela. Sim, almejo para mim mesmo metade da bravura dela, entretanto “minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá; as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá” e é por isso que não me quero ver fora de cá. Rogo perdão a ti, Gabriela.

*Canção do Exílio é um poema de um dos maiores romancistas nacionais que tivemos, Gonçalves Dias.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Por que Raíssa?

De ti, pensamentos.
De mim, sofrimentos.
Sua alma vive de encantamentos.
Raissa, por que não encurta nosso distanciamento?

A moça que amo pelo senhor.
Que me provoca prazer do jeito que for.
De sua beleza sinto o esplendor.
Raissa, por que não me conhece pelo interior?

Cigana dos cabelos fascinantes.
Diante de ti, sou um ser mendicante.
Dos olhos, a sinestesia viva em todo instante.
Raissa, por que sua voz é tão rutilante?

Chego ao Rio, deveras assustado.
Foi o tal Eduardo
Que me deixou atordoado.
Raissa, por que não ficou ao meu lado?

A vida passou.
Sua ardência em mim suavizou
E comigo se importou.
Raissa, por que como gaivota voou?

Encontro-me ainda aqui.
Porém, agora sem ti.
Para o paraíso, foi sem mim.
Raissa, por que me ensinou a não crer no fim?

sábado, 8 de janeiro de 2011

Afago mortificante do Tempo.

   Seu rosto transcende a simples beleza carnal. Seus olhos corroem minha alma, meu espírito de luta pela vida, cuja maior busca é compreender-te com perfeição, aproximando-se de sua vivaz canção. De seu interior nasce o esplendor. A antiga dor ainda provoca-me o mesmo ardor. Tem o dom de dilacerar minha vida e pôr nela um novo sentido, uma única sintonia, uma estranha fantasia que me faz amar essa minha fúnebre bibliografia.
    Moça gaúcha de mente madura, mas, por vezes, ainda imatura e dura consigo mesma. Essa distância que nos separa me faz usufruir de instantes de alegria, idolatria e até de tirania por causa da medonha nostalgia precoce que me recobre quando me despeço de ti no telefone.
   Quero sentir o teu calor, fervor, rumor, furor, ardor e o doce licor de seu suor. Toda essa devoção tem uma única direção, enovelar-me com uma pura sensação que provaremos quando nos tocarmos. O sul é tão distante e estonteante que ele torna-me escravo de meus instantes, contados bem antes de mexer os dedos. Conto nos pensamentos os minutos de nosso próximo momento. Desse sofrimento flamejante, o futuro realmente é um Ser mendicante.
   Desejo aspirar apenas o embriagante perfume de sua pele. De verme e lagarto tornou-me uma borboleta que voa ao seu encontro. Tempo obscuro que me deixou sofrer de forma estagnada e rastejante. Tempo cruel que me permitiu viver ao teu lado apenas por um dia como um inseto benevolente para ti. Contudo, horas importantes que me felicitaram imensamente ao provar do teu exorbitante abraço, moça do Sul.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Crônica do atual descobrimento.


  Espanhóis e portugueses. Todos daquela tal Penísula Ibérica. Acordos, tratados e ganância. Por que não pluralizamos o último adjetivo também? Terra da América rica, mas submissa. Encontraram-nos num acidente, contudo esqueceram que o mesmo foi um genuíno incidente. Caravelas aproximam-se do verde paraíso, tornando-nos um modesto pretexto do comercialismo e embrutecidos pelo voraz mercantilismo.
   Um povo, uma alma, uma história tudo é devastado. Navegantes, clérigos e indígenas todos se encontram no local mais temerário que existe, o prostíbulo. Um local no meio de nossa mata virgem, fazendo com que a pureza da Terra dos Papagaios fosse comprometida.
   O ouro é gente. Gentis, cargas da gente. Devastação e escravidão por toda a imensidão deste lugar que amarga uma geográfica solidão. Tranqüilidade e obscuridade retratam a verdade do continente. Um real antagonismo. Divisão e expulsão afligem, respectivamente, o espaço e o verdadeiro povo de nossas terras. Pobres negros que muitos se perderam pelo insaciável mar do Atlântico. Que a Morte vos acompanhe!
   Dessa subordinação veio nossa Confederação, originando a mais pedinte Nação. Nem nos chamam mais de animais, pois nós somos agora Brasil e não Papagaios. Entretanto, a humilhação e a ardente verdade do passado glorioso ainda nos angustiam. Temos que ter o orgulho em dizer que fomos procriados por prostitutas europeias, indígenas, navegantes e até padres que o fado me tornou um. Todavia, este mesmo companheiro de minha vida não limitou os meus desejos por uma bela mestiça, fazendo-me reviver o nosso incrível passado histórico tampouco heróico. 

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Poética vazia.

Sentei-me.
O vento me soprava.
Sequer inspiração eu tinha.
Que pútrida mente procrastinadora.

Deitei-me.
Na praia, pensava.
Preparava as poucas palavras.
E as ondas ainda não me alagavam.

Aproximei-me.
Do mar pedia mais palavras.
Dos ventos os mesmos sofrimentos.
Eu queria arrancá-las de nossa brava Natureza.

Direcionou-me.
As ondas miraram meu corpo.
De súbito, uma psicose dilacerou minha mente.
E as ondas de Vigo subiram até inundar de vocábulos o último verso de minha poesia.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

João e o Fado no sertão.

De escrita objetiva e dessacralizadora tua linguagem vence o trivial. O genial é ser racional. Inspiração para os concretistas. Um vasto em poesia e contemporâneo com maestria. João é assim. É humano sim. João é mais um Severino como outros tantos por aí. Ele encanta. Desencanta também. Considera-nos objeto de nosso destino. Este, fiel cretino, Severino me tornou. Fez-me acreditar no princípio do tal Determinismo. Embruteceu-nos em vermes condicionados a lutar contra a infeliz Seca de nosso sertão que só de pensar me arde a alma. João foi um nordestino comum e mostrou-nos que o simples é surrealizar para sermos um complexo objeto. O simples transforma-se em complexidade sociológica. A utopia se perde na persistência de seu eu-lírico em viver com menos sofrimentos. Maltrata e mata o seu personagem principal de sua poesia quando o infeliz se apaixona. João tornou seres objetos. Objetos em sonhos. O homem encontra-se preso num sonho de viver? Como poeta também nos apresentou a Vida desfiando nossos fios vagarosamente como se fossem as três Parcas, filhas de Júpiter, que limitam o nosso viver, a nossa luta. Contudo, ainda assim, não há nada melhor que uma explosão de vida Severina que João apreciou tão bem como outros desta terra nordestina. Terra de selvagem caatinga.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Crônica de um infeliz patriota.

   Estava acontecendo mais um movimento estudantil contra a greve dos professores de uma faculdade por causa do descaso dos poderes públicos que não repassou a quantia suficiente de verbas para manter os salários dos educadores atualizados. Mais uma revolta, mais uma derrota, mais uma alienação?
   O líder do movimento era um estudante de Direito, cuja maior inspiração era pelos grandes socialistas Che Guevara e Karl Marx. Ele chefiava o movimento há três anos. Sim, há três anos não havia aulas na universidade daquela cidade devido ao velho poder consumista de nossos políticos, devido à idosa politicagem que faz os nossos homens públicos.
   O educando seguia com o seu movimento espalhando ideais, pensamentos, princípios, fundamentos e todos os outros sinônimos dessas mendicantes palavras que se perdiam pelas ruas. A velha repressão continuava perseguindo aqueles medíocres acadêmicos.
Policiais, soldados, outros militares, estudantes, outros estudantes todos eles acossavam aqueles singelos e poucos universitários exaltados. Ninguém desejava perder os antigos recursos que o Estado lhe dava. Entretanto, aquela contínua rebelião juvenil crescia numericamente com o passar dos dias, dos meses, dos anos, dos tempos.
   O estudante de Direito já tinha se formado, concluído o mestrado e estava fazendo já o seu doutorado. Ele foi um dos presos daquela revolta e foi exilado. O exílio certamente proporcionaria àquele acadêmico um maior sentimento de revolta daqueles militares que estorvavam os revoltosos de poderem usufruir daquilo que é necessário para eles, para nós, para a sociedade que é demente e extremamente medíocre, visto que até ela se opôs aos perdidos dessa cidade, desse lugar que de tão incomum acabou se tornando trivial. Sim, trivial. Agora não era mais só aquela cidade que passava por aquele lúgubre momento e sim todo país.
   Foram um, cinco, dez, quinze, vinte anos de conflitos com aqueles abutres soldados daquele país. Jamais tinha visto um lugar tão invulgar quanto àquele.
   Finalmente, o movimento chegou ao seu desfecho. Apenas doze, velhos e devaneadores, acadêmicos do passado continuavam a buscar por suas aulas antigas, antigos prazeres intelectuais de suas mocidades e antigas bordoadas constantes. O comandante dos militares era o mesmo educando de Direito anteriormente. Ele conseguiu sua libertação daquele exílio infernal. Todavia, os seus sonhos tinham morrido e agora lutava para manter o velho sistema político, econômico e ideológico dessa nação. Por que fizera aquilo?
   Os doze velhos viraram sete. O governo já trocara a forma de poder, mas continuava a maldita opressão aos exaltados e a mesma forma de governar. Somente um antigo dos velhos revoltados sobrevivia e tinha um sentimento de vingança em sua alma tão imensa e possante que ambicionava matar o traidor dos rebeldes. Ele não tinha nada a ganhar, contudo também não tinha nada a perder.
  A vingança do pobre velho não ocorreu. Tinha sido fuzilado pelos generais por ter ousado matar o ex-revoltado que se tornara membro fiel do Estado. Este ficou terrificado com o acontecido de tal forma que se tornou um temerário de fato. Dias depois, cometeu um suicídio em seu apartamento. Levaram-no ao cemitério. Um senhor avistara um papel chamativo na casa do falecido. Leu uma frase contida na folha. Era um trecho apenas e algumas poucas e vagas palavras que traziam isso: “Infelizmente, não consegui trazer o meu sonho à realidade. Vocês não sabem o quanto eu fui violentado para me manter calado. Substituí todo o nosso escopo por uma liberdade que me trouxe a morte. Porém, esta me devolveu a Liberdade novamente”.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Linda moça cigana.

Linda moça cigana.
De uma pele grossa e rugosa,
Dos cabelos mais duros que vimos,
Dos gases mais fedorentos que sentimos.

Linda moça cigana.
Que sofria de cólera,
Vivia mijando na cama
E em casa ficava se lamentando.

Linda moça cigana.
Um marido apenas queria
E conseguiu o que tanto pedia.
Através de um banho Maria.

Linda moça cigana.
Foi um crioulo banguelo.
Extremamente tagarela.
Que bateu em sua janela.

Linda moça cigana.
Que de tantas janelas.
Não ficava com a boca aberta.
Com medo da verdade sincera.

Linda moça cigana.
Tivera uma mulatinha
Que de tão pretinha
Não se sujava com nada.

A mocinha cresceu.
A pobre mãe faleceu.
E o pai também morreu.
E ela? Alguém a esqueceu?

A negrinha já era moça.
Nômade como uma cigana.
Linda? Na alma apenas.
Linda moça cigana.